A União Européia (UE) é a maior economia no mundo. As empresas européias operam no mundo todo e em todos os setores, do extrativo ao vestuário, até o setor financeiro. A forma como elas se comportam importa. Contudo, durante décadas, as empresas europeias lucraram com as violações dos direitos humanos, a destruição ambiental e o colapso climático.

Em abril de 2020 o Comissário da UE para assuntos relacionados a Justiça comprometeu-se a introduzir uma nova lei para responsabilizar as empresas. Espera-se que a lei inclua um requisito de due diligence para negócios que objetivem prevenir e mitigar seus impactos negativos sobre os direitos humanos e o ambiente além de disposições para assegurar que as vítimas possam responsabilizá-las quando estes sofrerem danos.

O Parlamento Europeu sinalizouum forte apoio à legislação, refletindo um consenso mais amplo e crescente na sociedade civil, nos negócios e na população, sobre a necessidade de acabar com a impunidade empresarial. 

A Comissão Europeia realizou recentemente uma consulta pública sobre a nova lei. Dado o enorme impacto das empresas europeias, era importante que os cidadãos e as organizações em todo o mundo expressassem sua opinião. A Global Witness conduziu esforços em parceria com a Anti-Slavery International, Avaaz e a Clean Clothes Campaign para aumentar a participação global na consulta utilizando uma ferramenta digital.

A resposta foi impressionante.

Quase meio milhão de pessoas

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No total, foram enviadas 448.698 respostas da consulta utilizando a ferramenta digital com participantes vindos de toda parte do mundo. Entre estes, aproximadamente 700 eram organizações da sociedade civil e instituições acadêmicas que demonstraram apoio à legislação. Paralelamente a eles, centenas de milhares de cidadãos juntaram suas vozes aos crescentes apelos para uma lei nova e forte que responsabilize as empresas.

Eis o que disseram

Os participantes emitiram uma mensagem forte e clara à Comissão em apoio a uma due diligence sólida em relação aos direitos humanos e ao direito ambiental. Substancialmente, a exigência da due diligence deveria ser aplicada a todas as empresas que operam na UE ou que acessam o mercado interno da UE e abrangeria suas operações e todas as cadeias de valor. Mas também acarretaria consequências onde anteriormente não havia nenhuma exigência. As empresas poderiam ser responsabilizadas tanto pelas violações dos requisitos da due diligence como pelos danos que causaram, contribuíram para ou poderiam ter evitado, mas não o fizeram.

Em todas as apresentações, destacaram-se quatro questões-chave:

1. As comunidades indígenas estão sob a ameaça

As respostas à consulta destacaram os  riscos enormes enfrentados pelos defensores dos direitos humanos, da terra e do ambiente  que se opõe às atividades empresariais nocivas. Os relatos de criminalização, remoções, uso e apreensão ilegal de terras, destruição de propriedade e violência sinalizam um fracasso total na proteção dos direitos das populações, comunidades e ativistas locais.

Os grupos indígenas na América Latina mostraram níveis elevados de vulnerabilidade, com muitos grupos lutando para manter a propriedade ou o controle sobre as suas terras ancestrais. As populações indígenas estão na linha de frente da crise climática - atacá-las ocasionaria mais destruição ambiental e ruptura climática.

Os inquiridos pediram uma legislação que garanta a obrigação das empresas quanto a adesão às normas internacionais sobre consentimento prévio livre e informado e ao respeito pelos direitos, terras e cultura das comunidades indígenas.

2. As empresas devem ser responsabilizadas 

Diversas apresentações demonstraram como os direitos humanos e os danos ambientais continuam a ocorrer nas operações e cadeias de valor das empresas, sem consequências para os envolvidos.

Para que esta legislação conduza a uma mudança duradoura, ela deve criar caminhos verdadeiros para responsabilizar as empresas pelos seus danos.  Foi proposta uma série de medidas, incluindo (a) responsabilidade civil e administrativa para as empresas que causam danos às pessoas ou ao planeta; (b) uma due diligence que exige a divulgação pública das medidas tomadas e da eficácia das mesmas; (c) uma exigência de proporcionar uma solução eficaz às vítimas; e (d) um órgão de execução com poderes para investigar, receber queixas e impor sanções às empresas. 

3. As vítimas precisam de acesso a uma solução eficaz

Visando o lucro, as empresas lançaram inúmeros projetos com consequências devastadoras para as comunidades de todo o mundo. Da poluição à apropriação de terra aos assassinatos - na grande maioria dos casos, as vítimas ficam sem solução.

Atualmente, aqueles que tentam julgar os casos enfrentam uma jornada longa, dispendiosa e complicada. A legislação deve criar vias claras de soluções para as vítimas, habilitando-as a intentar ações contra empresas da UE nos tribunais da UE, independentemente de onde sofrerem os danos. Muitos lutam para definir sua posição para julgar um caso e reunir as provas que necessitam para isso. À medida que o fazem, equipes jurídicas empresariais dotadas de recursos lutam com unhas e dentes, agravando o atual desequilíbrio de poder. Além das vias judiciais para recurso, as empresas devem oferecer formas mais imediatas de solução ou enfrentar consequências por não o fazerem.

4. Os padrões voluntários são inadequados

Finalmente, fica evidente que a auto-regulação, as abordagens voluntárias e os quadros não vinculativos não conseguiram alterar o comportamento das empresas ou responsabilizá-las pelos seus danos. Embora os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos e as Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais tenham esclarecido as responsabilidades das empresas em relação a direitos humanos, ambiente e boa governança há dez anos, as empresas continuam a falar da boca pra fora sobre estes padrões enquanto causam estragos por torno do mundo

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Grandes expectativas

Pessoas do mundo todo se uniram e apelaram para que a UE introduzisse uma legislação robusta que criasse a tão necessária responsabilização pelos negócios. É chegado o momento de mudarmos as regras para os negócios. Agora a Comissão tem um mandato claro para introduzir a legislação que coloca as pessoas e o nosso planeta em primeiro lugar.


Preview image credit: Sebastien Thibault / Global Witness

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