Por Joci Aguiar, Observatório do Clima

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O resultado das eleições brasileiras do último domingo marca uma nova era para a conservação de florestas e para os direitos dos povos indígenas, uma vez que o recém-eleito presidente Luís Inácio Lula da Silva prometeu priorizar esses assuntos durante a sua campanha, depois de eles terem sofrido constantes ataques por parte do governo Bolsonaro. O Brasil tem agora a oportunidade de assumir um papel de liderança em reposta à crise climática, e deve dar protagonismo a defensores e defensoras da terra e do meio ambiente nas suas ações para combater as mudanças climáticas.

Os povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares são os principais defensores climáticos do Brasil. Em março de 2021, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) divulgou um relatório que destaca evidências de que os povos indígenas e as comunidades tradicionais são fundamentais para a conservação da biodiversidade e, consequentemente, para redução das emissões de carbono, ações centrais na luta pela garantia da justiça climática.

Infelizmente, é sobre estre grupo de defensores – os que menos causam impacto ambiental e os que menos consomem os recursos naturais do planeta – que recai o maior sofrimento pelas mudanças climáticas já em andamento. E essa é a dimensão humana das mudanças climáticas que exige reparação e justiça.

Em agosto deste ano, a organização brasileira Observatório do Clima publicou um estudo chamado Quem precisa de justiça climática no Brasil? O estudo dá voz a dezenas de homens e mulheres que estão na linha de frente da proteção do meio ambiente, mas que ao mesmo tempo são alvo de injustiças sociais e climáticas. Apesar das particularidades, existem vários pontos de convergência nos relatos de cada um dos defensores e defensoras entrevistados.

Algumas das transformações mais relatadas pelas lideranças se referem as consequências diretas da crise climática sobre comunidades. A agricultora Veridiana Vieira, por exemplo, reflete sobre a abundância de água que teve na sua infância, e que já não existe mais: “Eu me lembro que quando era adolescente, a gente ficava semanas inteiras dentro de casa, não tinha como sair com tanta chuva que caía. Tem um rio maravilhoso aqui, o rio Juruena. A gente ia pescar e era o maior sacrifício para chegar até o leito por causa das vazantes. Esse rio nunca mais encheu dessa forma. (...) Quem chega aqui hoje não acredita que o Juruena ia até aquele ponto. Esse ano, no período da piracema, não tinha água pros peixes subirem pra fazer a desova.”

Outra transformação importante, relatada por mais de um dos defensores entrevistados, está relacionada a mudanças nos regimes das chuvas e aumento do calor nos últimos anos, implicando em insegurança alimentar e financeira para as famílias e comunidades, que dependem das produções alimentares para a sua subsistência e geração de renda. A ativista e comunicadora indígena Txai Suruí explica de que maneira a sua comunidade percebeu as mudanças climáticas na sua aldeia: “A gente conseguiu perceber essa mudança no período de chuva mesmo, porque a gente trabalha com a natureza. A gente plantava e as chuvas não caíam. Isso prejudicou não só a nossa alimentação, como a segurança alimentar e financeira da nossa comunidade, que sobrevive daquilo que a gente planta.”

Já Silvia Batista, integrante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), explica como as mudanças no clima alteram o seu regime de trabalho: “Outra coisa que mede bem o clima na comunidade é o tempo de trabalho. Antes as pessoas iam para a roça às 6h da manhã e trabalhavam até 11h, 12h, às vezes até às 14h. Hoje não. Os moradores vão para a roça antes das 6h e trabalham no máximo até às 9h por causa do calor.”

Um elemento presente em muitos depoimentos é a presença de grilagem, desmatamento e/ou de empreendimentos agrícolas de larga escala, construção de rodovias e projetos para geração de energia. Em relação a isso, um dado importante a ser lembrado é que das mais de 6 mil comunidades quilombolas do país, apenas 2.786 delas são certificadas, dado que alerta para o grande número de territórios sem titulação, e, portanto, vulneráveis à exploração por setores extrativos. No que concerne territórios indígenas, existem atualmente 725 áreas em diferentes fases de procedimentos demarcatórios, que enfrentam batalhas inclusive judiciais para não perderem os direitos originários sobre seus territórios.

Esses dados reforçam o quão fundamental é a demarcação de terras indígenas e a titulação de terras quilombolas e de outras comunidades tradicionais. No contexto brasileiro, o acesso à terra e a justiça climática são conceitos que deveriam andar juntos. “A crise climática já é uma realidade, e uma das principais maneiras de garantir a conservação das florestas, e consequentemente prevenir os piores desdobramentos dessa crise, é através a demarcação das terras indígenas e a titulação de terras quilombolas e de outras comunidades tradicionais.”

O governo brasileiro precisa urgentemente suspender o “Pacote da Destruição” – um pacote de projetos de lei que, entre outros, favorecem a grilagem de terras (especialmente na Amazônia brasileira) e anulam o reconhecimento de terras indígenas. Por outro lado, as empresas internacionais devem adotar medidas para garantir que suas cadeias produtivas não contribuam para o agravamento do problema fundiário brasileiro, que está intrinsicamente ligado à destruição de nossas florestas e a violações de direitos humanos. Enquanto as comunidades indígenas e tradicionais continuarem sofrendo as piores consequências da crise climática, e até que tenham assegurado o seu direito de permanecer nos seus territórios ancestrais, não temos como falar de justiça climática no Brasil.