Londres, 21 de fevereiro de 2024 – As três maiores empresas de carne brasileiras estão ligadas à destruição de uma área de vegetação nativa no estado de Mato Grosso que ultrapassa o tamanho da cidade de Chicago, com uma perda do Cerrado mato-grossense quase cinco vezes maior que da Amazônia, revelou uma nova investigação da Global Witness.
Considerado a savana mais rica em biodiversidade do mundo, o Cerrado é um ecossistema vital para o planeta, possuindo raízes profundas que percorrem o subsolo e possibilitam o armazenamento de grande quantidade de CO2. Em 2017, o bioma continha cerca de 13,7 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (o equivalente às emissões anuais da China em 2020).
Mas, embora a proteção ambiental e o escrutínio crescente tenham reduzido a taxa de desflorestamento da Amazônia, os dados oficiais mostram que a devastação vem se alastrando pelo Cerrado. Enquanto o desflorestamento na floresta tropical tenha caído pela metade em 2023, houve um aumento de 43% no Cerrado, um vizinho com medidas de proteção praticamente inexistentes, se comparadas.
A investigação da Global Witness revelou que algumas das maiores empresas de carne do Brasil estão contribuindo para esta tendência.
Com base nos dados de 2018 a 2019, o relatório apresentou uma análise dos níveis de desmatamento relacionado à cadeia de abastecimento da JBS, Marfrig e Minerva, cujas operações ocorrem no Mato Grosso, estado que não só é líder nacional na produção de bovinos como também abriga o Cerrado e a Amazônia.
De forma geral, a pesquisa constatou que, dentre as fazendas de pecuária inseridas na cadeia de suprimentos das três empresas, 42,8% das que se localizavam no Cerrado incluíam terras desmatadas, em comparação com apenas 9,7% das que estavam na Amazônia.
Também foi constatado que a cada três vacas provenientes do Cerrado mato-grossense compradas pelas três empresas, uma era oriunda de fazendas com terras desmatadas, em comparação com apenas uma a cada dez vacas provenientes da Amazônia.
Quase todo esse desmatamento mostrou-se ilegal, tendo em vista a falta de licenças exigidas pela legislação brasileira.
Veronica Oakeshott, Líder de Estratégia de Campanha da Global Witness, declarou:
“Na luta pela proteção da Amazônia, o Cerrado está se tornando uma zona de sacrifício ecológico. O desmatamento vem se espalhando para essa região, com metade da sua área de savana transformada em terras agrícolas. Os olhares do mundo estão devidamente voltados para a floresta tropical; mas isso não significa que podemos fechar os olhos para o desastre ecológico que vem se desenrolando logo ao lado.
Com o relógio do clima quase atingindo a marca de 1,5 °C, não podemos permitir outra crise de desmatamento nem perder mais um sequestro de carbono considerável. Os agronegócios responsáveis precisam urgentemente acabar com o desmatamento nas suas cadeias de abastecimento. Até que eles possam provar isso, seus financiadores devem parar de financiá-los.”
A extensa análise da Global Witness sobre o desmatamento no estado concluiu:
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As cadeias de suprimentos de três das
maiores empresas de carne do mundo (JBS, Marfrig e Minerva) foram responsáveis pelo
desmatamento de uma área no Mato Grosso equivalente ao tamanho da cidade de
Chicago. A extensão do desmatamento do Cerrado ligado às cadeias de
abastecimento dessas empresas foi cinco vezes maior que a área desmatada na
região amazônica no mesmo período (70 mil campos de futebol no Cerrado versus
14 mil campos de futebol na Amazônia).
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Os números não consideraram o fato de
essas empresas terem adquirido, ao todo, quase três vezes mais gado da Amazônia
que do Cerrado no mesmo período (cerca de 1,2 milhão versus 438 mil
cabeças de gado), ficando evidentes as discrepâncias entre os níveis de
proteção ambiental dos dois biomas.
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A cada três vacas provenientes do Cerrado
mato-grossense compradas por essas empresas, uma era oriunda de fazendas com
terras desmatadas, em comparação com apenas uma a cada dez vacas provenientes da
Amazônia (36% das vacas do Cerrado vieram de terras desmatadas versus
12% das vacas da Amazônia). Mais de 99% desse desmatamento foi ilegal.
- Das três empresas de carne bovina operando no Mato Grosso, a JBS (a maior do mundo) foi a principal infratora. De um total de 59.890 hectares ligados às três empresas, 41.481 hectares correspondiam apenas à JBS. Além disso, do total de cabeças de gado provenientes de áreas de desmatamento, dois terços foram adquiridos pela JBS.
- A demanda por carne bovina no Reino Unido e na União Europeia tem seu papel nessa destruição. Nos últimos cinco anos, o Reino Unido importou do Mato Grosso uma média de 1.756 toneladas anuais de produtos de origem bovina, sendo a JBS, Minerva e Marfrig responsáveis por quase metade de toda a carne bovina enviada do Mato Grosso ao país entre 2018 e 2023. Em 2018 e 2019, pelo menos 14 abatedouros da JBS, Marfrig e Minerva foram autorizados a exportar para a União Europeia.
A JBS, Marfrig e Minerva contestaram as conclusões da Global Witness e a metodologia utilizada. As empresas afirmaram que estão em conformidade com a legislação brasileira que regulariza os desmatamentos e com os acordos entre suas respectivas cadeias de abastecimento e as autoridades do paísi.
A maior ameaça ao Cerrado hoje em dia, o desmatamento é predominantemente impulsionado pela expansão agrícola para o cultivo de soja e criação de gado, apresentando os mais altos níveis dos últimos cinco anos, pelo menos.
Como afirmou a Assessora da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, Joice Bonfim:
“Precisamos ampliar a proteção do Cerrado com urgência. Há muito tempo a região vem sendo degradada pelas monoculturas de soja e pela pecuária intensiva, tendo perdido mais da metade de sua cobertura original nos últimos 50 anos.
Considerado o ‘berço das águas’, o Cerrado é parte essencial do ciclo hídrico da América do Sul, alimentando grandes rios como o Amazonas; é também muito importante para o patrimônio cultural mundial, sendo lar de diversas culturas e comunidades. As iniciativas internacionais atuais não são suficientes, sujeitando a região a um risco significativo. Se nada for feito, enfrentaremos um cenário de ecogenocídio irreversível.”
A investigação sucedeu o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) aprovado em 2023, que em breve exigirá das empresas a comprovação de que determinados produtos como soja e carne não estejam associados com o desflorestamento. O Reino Unido e os EUA também esperam implementar novas regulamentações para itens oriundos de terras com desmatamento ilegal.
No entanto, a maior parte do Cerrado (classificado pela UE como “outras terras arborizadas” em vez de “floresta”, devido à predominância de árvores esparças) está atualmente excluída de todas essas leis. A UE deverá avaliar essa classificação até junho deste ano.
A Ativista Sênior da UE-Florestas da Global Witness, Giulia Bondi, ressaltou:
“A UE precisa cumprir com sua palavra e prorrogar urgentemente a lei antidesmatamento para proteger o Cerrado. O consumo de produtos como soja e carne bovina pela UE está provocando a destruição de ecossistemas em um dos maiores hotspots de biodiversidade do mundo e deixando outras áreas semelhantes em risco. Precisamos de uma atualização robusta dessa lei para impedir que o agronegócio simplesmente transfira a expansão agrícola da Amazônia para o Cerrado.”
A análise da Global Witness feita no ano passado revelou que, desde 2010, a cada 1.000 dólares investidos na JBS, uma área de vegetação nativa equivalente a um campo de futebol é devastada pela sua cadeia de suprimentos no Brasil. Atualmente, a JBS está tentando listar suas ações na Bolsa de Valores de Nova Iorque, o que possibilitaria à empresa um aumento de capital para expandir suas operações; provocando, inevitavelmente, ainda mais desmatamento.