À medida que a crise climática se intensifica, a violência contra os defensores e defensoras do planeta Terra também aumenta.

Segunda-feira, 13 de setembro de 2021 Um relatório da Global Witness divulgado hoje revela que, em 2020, três quartos dos ataques letais registrados contra ativistas ambientais e do direito à terra ocorreram na América Latina. Estima-se que 165 pessoas foram assassinadas na região por defenderem suas terras e o planeta. No mundo todo, foram registrados 227 ataques letais, o maior número já registrado pelo segundo ano consecutivo.

Enquanto muitos saudavam a ratificação do Acordo de Escazú, um tratado histórico sobre a proteção dos defensores do meio ambiente na América Latina e no Caribe, a violência contra essas pessoas continuava e, em muitos países, alcançava níveis inéditos. A Colômbia foi novamente o país mais afetado do mundo, com 65 assassinatos registrados, e a Nicarágua foi considerada o lugar mais letal em termos per capita, com 12 assassinatos registrados.

Em média, por semana, quatro defensores foram mortos em todo o mundo desde a assinatura do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, em 2015, e esse número, embora chocante, ainda é provavelmente subestimado, já que com as crescentes restrições ao jornalismo e a outras liberdades cívicas muitos casos possivelmente nem chegam a ser notificados.

Os números mostram o custo humano da destruição provocada por indústrias extrativas e por grandes corporações. Segundo o relatório, pelo menos 30% dos ataques registrados foram diretamente ligados à exploração de recursos naturais – extração de madeira, mineração, agronegócio, construção de hidrelétricas e outras obras de infraestrutura. A extração de madeira foi o setor ligado ao maior número de assassinatos, com 23 casos e ataques relatados no México, no Brasil, na Nicarágua e no Peru.

As mortes incluem o assassinato do defensor dos recursos hídricos Óscar Eyraud Adams, membro do povo kumiai, assassinado no México após se opor às indústrias que contribuem para a escassez de água na Baja California. Óscar foi um dos muitos indígenas mortos em 2020, ao lutar pelo direito de seu povo à autodeterminação e ao tentar proteger as terras ancestrais dos que buscam explorar seus recursos naturais.

Marina Commandulli, assessora de campanhas da Global Witness, disse:

“No ano em que os países latino-americanos sofreram crises sem precedentes, uma constante permaneceu – a violência contra os defensores e as defensoras. A América Latina tem sido, de forma consistente, a região mais afetada por essas questões. Com muita frequência, as pessoas que defendem sua terra e nosso planeta sofrem criminalização por parte de governos, intimidação em suas comunidades e assassinatos. Essa violência sistêmica é resultado de décadas de impunidade para agressores e, entre esses, empresas que colocam a extração e o lucro acima da vida humana e do meio ambiente”. 

Ativistas ainda se encontram ameaçados, incluindo comunidades em Guapinol, Honduras, onde dezenas de defensores da terra e da água foram presos nos últimos anos por protestar pacificamente contra a concessão de mineração de óxido de ferro, autorizada pelo governo central, em uma área protegida. Vários membros da comunidade continuam presos.

Principais conclusões do relatório

  • Quase 3 em cada 4 ataques registrados ocorreram nas Américas – com 7 dos 10 países com o maior número de assassinatos no mundo localizados na América Latina. No Brasil e no Peru, quase três quartos dos ataques registrados ocorreram na região amazônica.
  • A Colômbia foi mais uma vez o país com o maior número de ataques registrados, com 65 defensores mortos em 2020. Um terço desses ataques teve como alvo indígenas e afrodescendentes e quase a metade foram contra pequenos agricultores.
  • Em 2020, o número desproporcional de ataques contra comunidades indígenas continuou: mais de um terço de todos os ataques fatais foram contra povos indígenas. Ataques contra defensores indígenas foram relatados em toda a América Latina.
  • A Nicarágua teve 12 assassinatos – contra 5 registrados em 2019, o que fez com que o país passasse a ser considerado o mais perigoso per capita para defensores e defensoras da terra e do meio ambiente em 2020.
  • Os números referentes ao Brasil também permaneceram altos, com 20 assassinatos registrados. O governo Bolsonaro priorizou as indústrias extrativas nas regiões da Amazônia e do Cerrado, e organizações de direitos indígenas e seis partidos políticos brasileiros alegaram que a má administração da COVID-19 pelo governo Bolsonaro poderia levar a um ‘genocídio’ dos povos indígenas do Brasil. 
  • Os relatórios indicam que a maioria (70%) dos defensores atacados por proteger ecossistemas específicos estava lutando para defender as florestas contra o desmatamento e o desenvolvimento industrial, um trabalho vital para combater a crise climática. Outros morreram por seu trabalho, protegendo rios, áreas costeiras e oceanos.

Recomendações do relatório

As Nações Unidas, por meio de seus estados membros, devem:

  • Reconhecer formalmente o direito humano a um meio ambiente seguro, saudável e sustentável.
  • Garantir que os compromissos e ações feitos na COP26 para implementar o Acordo de Paris integrem as proteções aos direitos humanos.

Os governos têm o dever primordial de garantir que os direitos humanos dos defensores sejam protegidos para que eles possam realizar seu ativismo com segurança, e devem:

  • Garantir que as políticas nacionais protejam os defensores e defensoras da terra e do meio ambiente – e eliminar qualquer legislação usada para criminalizá-los.
  • Exigir que empresas e instituições financeiras realizem obrigatoriamente a devida diligência para prestar contas sobre a violência e outros danos à terra e aos defensores ambientais em todas as suas operações globais e em suas cadeias produtivas.
  • Garantir o acesso à justiça, investigando e processando todos os atores relevantes envolvidos em violações, incluindo as corporações implicadas por violência cometida contra defensores e defensoras da terra e do meio ambiente.

A Comissão Europeia está atualmente preparando duas importantes peças legislativas: uma iniciativa sobre Governança Corporativa Sustentável e um Regulamento sobre commodities de risco florestal. A UE deve garantir que:

  • A iniciativa de Governança Corporativa Sustentável exija que todas as empresas que fazem negócios na UE tomem medidas para prevenir, identificar, tratar e responder por violações de direitos humanos e por danos ambientais nas suas cadeias de valor, como parte de sua devida diligência. A iniciativa deve também incluir um forte mecanismo de execução dessa legislação, com prestação de contas e com penalidades para responsabilizar as empresas.
  • A devida diligência proposta no Regulamento sobre Commodities de Risco Florestal exija explicitamente que as empresas e financiadores que fazem negócios na EU apoiem ou financiem apenas as operações que obtiverem o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) de povos indígenas e comunidades locais.

As empresas precisam fazer tudo ao seu alcance para garantir que não estejam causando, contribuindo ou se beneficiando de ataques contra defensores e defensoras, independentemente dos custos. Mais especificamente, elas devem: 

  • Publicar e implementar sistemas robustos de devida diligência para identificar, avaliar, prevenir e mitigar danos aos direitos humanos e ambientais em todas as suas operações e cadeias produtivas.
  • Adotar e implementar uma postura de tolerância zero contra represálias e ataques aos defensores e defensoras da terra e do meio ambiente.
  • Oferecer e facilitar processos de remediação eficazes quando ocorrerem impactos e danos adversos aos direitos humanos e ao meio ambiente.